Leandro Leal
2 min readJul 8, 2019

"João", João e Rogério

Como muitos, tenho uma relação de amor e ódio com meu irmão. Também como no caso de tantos, esse ódio, na verdade, sempre foi "ódio", justificando o lugar-comum que coloca este como o outro lado da moeda em que está o amor.

O Rogério foi referência em tudo para mim. Copiava-o descaradamente. Se ele gostava de algo, eu também gostava; se deixava de gostar, eu, pensando bem, nunca tinha curtido muito aquilo. Foi assim com o café-com-leite e com o feijão, coisas que sempre adorei e, na infância, abandonei seguindo os passos dele. Com João Gilberto foi um tanto diferente.

Comecei a gostar de João por conta do Rogério. Ele me apresentou ao cantor quando eu tinha 14 anos. O criador da bossa nova foi um dos muitos artistas que entraram na minha vida por uma portal mágico que se abriu naquele 1991. O disco pelo qual eu o conheci foi um batizado simplesmente como "João". Era uma voz sussurrada, um anticantor para quem, até então, tinha o vozeirão de Renato Russo como referência. Achei estranho, diferente, mas gostei. Afinal, se o Rogério gostava...

Não muito depois, porém, larguei João e "João". Não porque o Rogério tivesse deixado de gostar, mas bem pelo contrário. Para desenvolver minha própria identidade, senti que deveria gostar das minhas próprias coisas; as que conheci "sozinho", sem a influência do meu irmão mais velho. Comecei a interpretar o sussurro e a delicadeza de João como chatice, opinião mantida por anos, até o fim da adolescência e das (muitas das) bobagens características do período. Por volta dos 18, 19 anos, voltei às boas com João e com tudo o que o Rogério me apresentou. Nesse período, também passei eu mesmo a mostrar coisas para ele, e assim segue.

Fico feliz por, hoje, ser uma referência musical para o meu irmão, envaidecido por ele gostar da grande maioria do que lhe apresento. Nada, no entanto, por melhor que seja, se compara a João. E pelo João, além de por tanta coisa, serei sempre agradecido ao Rogério.

Leandro Leal

Redator publicitário e escritor, autor dos romances Quem Vai Ficar Com Morrissey? (Edições Ideal, 2014), de Olho Roxo (Realejo Livros, 2021).